O quê ler?

A resposta a essa pergunta decorre da pergunta anterior: por que ler? Alguns livros vão te distrair, outros vão te tornar mais eficiente no trabalho. Alguns vão ajudar a enfrentar o tédio, ou solucionar problemas de todo o tipo. Uns poucos vão te tornar mais sábio, se você estiver preparada para isso.

Em suma, sua próxima leitura depende do seu objetivo mais próximo. 

Se ainda assim você estiver em dúvida, se você não souber o que ler, leia os clássicos. Comece por algo que você sente que pode gostar (romance, contos, horror, etc.), mas não se limite ao que você gosta. Afinal, seus gostos mudam, e fazer sempre as mesmas coisas vai te levar sempre ao mesmo resultado, sem grandes chances de aprendizado.



Ítalo Calvino, no seu famoso artigo “Por que ler os clássicos”, lista vários motivos para tanto, sendo o principal o fato de que os clássicos “nunca se esgotam”, ou seja, podem ser sempre lidos, relidos, discutidos, criticados, desvendados, redescobertos, etc. E conclui, sobre o artigo:

Depois deveria reescrevê-lo ainda uma vez para que não se pense que os clássicos devem ser lidos porque "servem" para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos. E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer' ".

(O artigo é interessante e merece ser lido. Entre outras coisas, ele recomenda ler os clássicos “a seco”, antes mesmo de ler quiser críticas, análises e introduções modernas.)

Minha razão para ler os clássicos, no entanto, é porque eles, de fato “servem” para alguma coisa, qual seja: entender os outros livros (e filmes, quadrinhos, séries, etc.). Um livro clássico é um livro que sobreviveu ao tempo, às críticas, e às modas passageiras, mas também que serviu de fonte para inúmeros outros livros. 

Se vários livros citam Shakespeare ou Dostoiévski, isso significa que a marca desses autores ainda está presente na literatura atual. Conhecer suas obras vai te ajudar a entender não apenas referências esparsas, mas a própria influência dos autores nas obras posteriores. E, quanto maior a influência, mais “clássica” é a obra em questão.

(E, por isso mesmo, a Bíblia é um bom lugar para começar. Vale ressaltar que a leitura da Bíblia pode se beneficiar de alguma orientação intelectual ou espiritual, que eu não tenho condições de fornecer aqui. Mas mesmo a leitura desorganizada já é capaz de trazer a luz as origens de inúmeros ditados, expressões, referências, e assim por diante).

Compare esses autores clássicos, por exemplo, com uma lista qualquer dos “mais vendidos” de dez anos atrás (2012): quantos desses livros ainda são relevantes hoje?

Aparentemente, o livro que ficou mais tempo na lista do New York Times em 2012 foi “Cinquenta Tons de Cinza”. Que livro, publicado em 2022, cita frases ou personagens de “Cinquenta Tons de Cinza”? Ele ainda será lembrado em 2112?

(Essa "mania por novidades" tem atingido níveis destrutivos e extremos em nossas vidas, a ponto de fazer com que a maioria do material que consumimos no YouTube, por exemplo, foi criado nas últimas 24 horas e provavelmente será esquecido com igual rapidez)

Perceba que isso não é nenhuma crítica aos “best sellers”. Shakespeare e Dostoiévski também foram “best sellers” da sua época. A ideia aqui é outra: se são publicados livros há centenas ou milhares de anos, qual a chance do melhor livro que você poderia ler em seguida tenha sido publicado nos últimos dois, dez, ou mesmo cem anos?

Se você tem um gosto mais específico (literatura brasileira, terror, ficção científica), ainda assim vale a pena procurar os clássicos do seu nicho favorito: Machado de Assis, Edgar Allan Poe, Aldous Huxley e assim por diante. Isso vai te dar uma compreensão do gênero muito superior do que simplesmente ler as últimas novidades.

(Essa é outra ideia sobre como achar bons livros com base naqueles que você já gosta: procure de onde vieram aquelas ideias. Se você gosta de Tolkien, talvez goste de ler Beowulf, O Anel do Nibelungo, Lord Dunsany, Chesterton, H. Rider Haggard, William Morris ou livros sobre mitologia, filologia e catolicismo, ao invés de procurar as centenas de imitações de sua obra).

Os exemplos acima são todos de literatura, mas as mesmas ideias são aplicáveis à filosofia e às vezes até às ciências – com a ressalva que certas descobertas científicas podem estar ultrapassadas. O mesmo não acontece, no entanto, com Platão, Aristóteles, e assim por diante.

Há ainda um último benefício em ler os clássicos quando você não sabe o que ler em seguida: inúmeras pessoas também os leram, e da próxima vez que você estiver em dúvida, vai ser fácil se comunicar com os outros para achar sua próxima leitura. “Gostei muito desse livro; o que vocês me recomendam ler em seguida?” 

Haverá mais e mais pessoas que entendem suas preferências (pois foram expostos às mesmas obras) prontos para te ajudar.

(E, para facilitar mais antiga, é só clicar na tag "clássicos" nesse blog, que vai te levar à brevers resenhas de vários livros clássicos).

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